1- Predição e Adivinho:
A expressão predição (oráculo):
em Pv 30.1 segundo algumas traduções, representa o vocábulo hebraico massa, que precisamente denota “oráculo”; e o vocábulo adivinho, em Is 30.10, representa o termo hebraico chozeh, que precisamente significa “visionário”, e alude àqueles que testemunham visões. Todavia, sempre, em qualquer outro ponto no A.T., a “predição” é a tradução de nebu’a; e “adivinho” a de nabi. Não é segura a significação original da raiz (NB). A raiz (NB) denota borbulhar em fervura, e nabi, portanto, supõe-se almejar expressar aquele que borbulha com a inspiração ou com a comunicação divina. Contudo, é mais plausível que nabi esteja em conexão com uma raiz assíria ou árabe, que significa expressar, divulgar uma comunicação. Neste caso o nabi é considerado o locutor, a quem foi designada uma incumbência. Isto está em conformidade como que se encontra em Êx 7.1: “Então disse o Senhor a Moisés: Vê que te constituí como deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta.” Por isso é provável que o vocábulo “adivinho”, como é utilizado na Bíblia, expresse aquele que discursa como acreditado emissário do Onipotente Deus. Deve-se notar que no termo, de que se trata, não há nada que envolva previsão de ocorrências. Pode um adivinho antecipar, ou não, o futuro segundo a comunicação que Deus lhe conceder. Deste modo a palavra grega prophetes, que se encontra na versão dos Setenta, e no N.T., significa aquele que “explana, discorre sobre certo tópico”. Os substantivos abstratos nebu’a e propheteie (“predição”) detêm uma significação correspondente.
2- O estado dos adivinhos ao acolherem a sua comunicação.
É sumamente relevante ter uma percepção precisa das condições espirituais do adivinho, com o objetivo de que possamos perscrutar os mistérios da comunicação do homem com Deus. A concepção pagã da predição era a de uma condição absolutamente passiva no adivinho, de maneira que, quanto mais inconsciente se evidenciava, mais apropriado estava para acolher a comunicação divina. Algo deste gênero se pode observar na histeria do povo israelita. Aquelas danças sagradas dos adivinhos de Baal, durante as quais eles se golpeavam furiosamente, cortando-se com navalhas, para que pudessem acolher um sinal visível de aprovação divina, eram, na realidade, uma manifestação característica (1 Rs 18.26 a 28); e é plausível que em tempos posteriores os falsos adivinhos adotassem providências similares, com o propósito de provocarem em si próprios o estado de êxtase para as suas prédicas. Mas a ideia pagã de predição se apresenta de um modo muito claro em Balaão. A sua volição e os seus próprios pensamentos são superados pela inspiração divina, proclamando ele a comunicação celestial, contrariamente aos seus particulares anseios (Nm 22 a 24).
Na época de Samuel já se observa o principio de melhor sistema. Ele congregava em comunidades aqueles que aparentavam possuir dons especiais da predição, disciplinando-os, ensinando-lhes a música, e, segundo parece, ministrando-lhes saberes da história e religião, para que pudessem estar nas melhores condições de acolher as palavras de Deus (1 Sm 10.10 a 13; 19.18 a 20). A respeito da música pode-se compreender que era para acalmar a alma, e prepará-la para as comunicações com Deus (1 Sm 16. 14 a 23; 2 Rs 3.15). Quanto a serem estas escritas ou não pelo adivinho, isso dependia do caráter particular de cada alocução.
Essas predições, devemos expressá-lo, são inteiramente opostas às produzidas no estado de mero êxtase. São escritas com grande seleção de vocábulos e frases, revelando a vida pretérita dos adivinhos, os seus interesses e ocupações, e apresentando em distintos graus a cultura e as circunstâncias da época em que cada predição foi revelada. As predições de Amós, de Miquéias, de Isaias, e de Jeremias, por exemplo, estão muito distantes das de Balaão, tanto na visão espiritual como nos conscientes pensamentos e deliberado estudo. Os adivinhos tinham aprendido que Deus Se utilizava das próprias faculdades e aptidões deles como instrumento das Suas revelações.
Na verdade, almejando formar a mais alta concepção do estado do adivinho, na recepção das comunicações divinas, temos esse ideal em Jesus Cristo, que estava em comunhão com o Seu Pai, e anunciava aos homens o que dele ouvia (Jo 8.26 a 40; 15.15; 17.8). Em Jesus não havia o estado de êxtase, mas manifestava-se uma clara comunicação espiritual, detendo a Sua alma um grandioso poder receptivo e ativo. Na proporção em que os adivinhos alcançavam este dom maravilhoso de predição, podiam eles acolher e transmitir perfeitamente a comunicação divina.
3- A função dos adivinhos.
Examinando as suas palavras num sentido mais amplo, e tomando no seu todo a obra dos adivinhos, observamos que uma das suas mais relevantes funções era a interpretação dos fatos passados e presentes. Estudando eles os acontecimentos na presença de Deus, puderam avistá-los na sua luz divina, e compreendê-los assim no seu verdadeiro aspecto e significação. Por isso os adivinhos não eram, realmente, historiadores (como o escritor dos livros dos Reis), mas foram algumas vezes políticos ativos bem como diretores religiosos. Entre estes podemos admitir não somente Isaias e Jeremias, mas também Eliseu, visto como este mandou um dos filhos dos adivinhos ungir Jeú, efetuando deste modo a destruição da dinastia de Onri, culpada de prestar culto a Baal (2 Rs 9). Além disso, o fato de eles perceberem a significação dos acontecimentos passados e presentes, habilitava-os a conhecer os resultados da vida pessoal e nacional, e a proclamar princípios que tinham um alcance muito mais largo, de muito maior extensão, do que o que eles podiam imaginar. E, deste modo, quando as mesmas forças operavam em tempos e lugares muitíssimo distantes dos contemplados pelos próprios adivinhos, as suas palavras de aviso e conforto achavam cumprimento, não talvez uma vez somente, mas em diversas ocasiões. E a este poder, inerente a uma previsão verdadeiramente inspirada, que São Pedro provavelmente se refere, quando escreveu (2 Pe 1.20): “nenhuma profecia da Escritura é de particular elucidação”, querendo dizer que o seu significado e referência não devem limitar-se a qualquer acontecimento no tempo.
4- O valor das predições:
a) Os sacerdotes tratavam de coisas rituais, ou melhor, das orações litúrgicas e dos cânticos sagrados. Nos adivinhos havia vistas mais amplas, e uma realização mais completa da vontade de Deus na vida diária, tanto particular como nacional. Se quisermos, talvez, expressar em poucas palavras qual o efeito dos ensinamentos dos adivinhos sobre os seus contemporâneos, quer se trate de pessoas, quer de nações, afirmaremos que eras esperança o forte sentimento que consolava a alma israelita, apesar de um passado maculado pelo pecado, e de um presente sob a ameaça do castigo. Todavia, superior a tudo, estava Deus realizando o Seu plano de misericórdia e bênçãos. Nenhuma religião, fora do Judaísmo, podia mostrar nos seus ensinamentos tais princípios de consoladora expectativa. E eis aqui um dos grandes segredos que explicam o grande êxito que só a religião de Israel alcançou.
b) Se os contemporâneos dos adivinhos muito ganharam, ou estiveram na situação de ganhar com a obra dos adivinhos, maior proveito disso devemos nos ainda extrair. Porquanto estamos agora preparados para discernir bem o efeito das suas doutrinas e predições, e ponderar as verdades eternas, em que eles depositavam completa confiança. De um modo particular, certamente, podemos apreciar até certo grau as suas exposições acerca do grande Personagem, por intermédio do qual haveria de vir a redenção de Israel. Não é o nosso objetivo neste artigo enumerar as várias predições com relação a Cristo. A maioria delas é bem conhecida. Basta expressar-se que, ainda que os adivinhos não alcançassem bem o inteiro sentido das suas próprias palavras, esperavam, contudo, um Ente que haveria de ser idealmente perfeito, na sua qualidade de Rei para governar, de Adivinho para ensinar, e de Sacerdote para reconciliar; que haveria de ser homem, e mais do que homem, pois seria Ele mesmo Deus; e que haveria de sofrer até à morte, reinando, contudo, para sempre na Glória.
5- Predição e adivinhos do **Novo Testamento** Houve um hiato: por um período de trezentos anos, Deus não havia se comunicado com os homens. Mas, ao término desse período, João, filho de Zacarias, apelidado o Batista, que foi "profeta", e "mais do que profeta" (Mt 11.9), surgiu, desvendando às multidões a determinação de Deus a respeito delas, e comunicando-lhes que estava próximo o momento em que as predições sobre a chegada do Redentor deveriam ser concretizadas. E esse momento do Profeta ideal chegou, em quem as palavras de Moisés tiveram execução no mais alto grau (Dt 18.18; At 3.22), manifestando Ele nos Seus atos e palavras o Espírito do Pai celestial. E é natural que a atuação profética não tivesse sua interrupção em Jesus Cristo, prosseguindo de uma maneira inédita, após o Espírito Santo ter sido vertido no dia de Pentecostes. Então, as palavras de Joel receberam parcela do seu cumprimento: “vossos filhos e as vossas filhas profetizarão” (Jl 2.28; At 2.17); e mais uma vez os fiéis se habituaram a escutar os profetas, que se dirigiam a eles em nome do Senhor. Entre estes são citados: Ágabo e outros, vindos de Jerusalém (At 11.27,28; 21.10); profetas em Antioquia (At 13.1); Judas e Silas (At 15.32); as quatro filhas de Filipe, o evangelista (At 21.9). Paulo também se refere a profetas cristãos em 1 Co 12.28 e seguintes: 14.29,32,37; Ef 3.5 e 4.11, inferindo nós, por essas passagens, que esses trabalhadores, participando ativamente das reuniões cristãs, nos cultos, por vezes se sentiam inclinados a acreditar que não podiam conter o impulso da fala. O autor do Apocalipse também se reporta reiteradas vezes aos profetas cristãos, que são considerados como seus irmãos (Ap 22.9; vide também 10.7; 11.10-18; 16.6; 18.20-24; 22.6). Fonte: D. Bíblico Universal
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