Tudo o que existe em nosso orbe surgiu pelo poder da voz. Deus proferiu, e nosso mundo foi criado. Quando ele modelou o ser humano, a mais sublime das criaturas terrestres, Deus o agraciou com a capacidade de se expressar. Conseguimos conversar, e até mesmo redigir, porque Deus nos concedeu o presente da linguagem. Quando o maligno empregou palavras falaciosas para tentar Eva, ela e seu cônjuge tombaram em pecado (Gênesis 3). Quando os indivíduos abusaram da boa graça da comunicação para se vangloriar e desobedecer a Deus, ele confundiu suas falas para compelir povos distintos a se apartar e habitar a terra, como ele havia determinado anteriormente (Gênesis 11:1-9; veja 9:1).
Ainda que os homens tenham amiúde desvirtuado suas palavras, a aptidão para se comunicar ainda é uma dádiva. Quando o próprio filho de Deus aportou ao mundo, ele foi retratado como a Palavra (João 1:1, NVI). É pela difusão de sua mensagem, o evangelho, que chegamos a conhecê-lo e a obedecê-lo. O evangelho “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Romanos 1:16). “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Romanos 10:17). Os seguidores de Jesus têm a incumbência de disseminar o evangelho a outros indivíduos. Paulo incentivou Timóteo a cumprir esta missão: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2 Timóteo 4:2). “E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros” (2 Timóteo 2:2). A língua, portanto, é uma força potente. Pode ser utilizada para o bem, como Deus almejava, para externar afeto e propiciar salvação. Ela também pode ser empregada para o mal, com efeitos funestos que levam à condenação. Estas duas chances são claramente contrastadas em Tiago 3:1-12.
Analisemos este importante texto e suas aplicações em nossas vidas. “Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo”” (3:1). Quando apartado de seu contexto, este versículo parece contradizer os preceitos e exemplos do Novo Testamento que salientam a relevância da pregação da palavra (Marcos 16:16; Atos 4:31; 8:4; 1 Tessalonicenses 1:8; Hebreus 5:12). Em seu contexto, o versículo possui sentido. Os cristãos a quem Tiago se dirigia eram atingidos por posturas carnais que geravam discórdia e cisão entre eles. Alguns praticavam uma religião exterior, que não provinha do coração (1:21-27). Eles tratavam as pessoas de modo distinto, baseado na sua abastança (2:1-7).
Eles eram abalados por guerras, contendas e avareza (4:1-4). Alguns estavam difamando e julgando deslealmente seus irmãos (4:11-12). Qual era a questão? Aparentemente, a raiz destes problemas podia ser encontrada em alguns preceptores presunçosos, que estavam mais empenhados em conquistar seus próprios adeptos do que em serem seguidores de Cristo. Eles acompanhavam e ensinavam a sabedoria humana, em vez de divulgarem a pura mensagem da sabedoria de Deus 3:13-18). A advertência que Tiago oferece, então, vai ao âmago da arrogância interesseira. Quando os homens de índole carnal ambicionam ser mestres, eles convidam a uma condenação maior. Eles são capazes de adulterar o evangelho para granjear seguidores, porque eles são servos de si mesmos e não servos de Cristo. “Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo”” (3:2).
De todas as provações que encaramos, a mais persistente e difícil é a provação de manifestar algo que não devemos. Algumas pessoas se esforçam para eliminar impropérios e pilhérias indecentes de seu falar (Efésios 4:29). Outros, despreocupadamente, manifestam desrespeito pelo nome do Senhor, emitindo frases como “Meu Deus!”, ou “Meu Deus do Céu!” sem parar para ponderar que eles estão lidando com o nome do Santo Deus como se não fosse nada além de uma expressão banal de espanto ou desprazer. Deus merece nosso completo acatamento (Salmo 111:9-10). Muitos utilizam a língua para disseminar mexericos e fazer acusações infundadas (Provérbios 16:28; 1 Timóteo 5:13). Deste modo, eles podem aniquilar a reputação de pessoas boas, gerar discórdia entre irmãos, e até impedir a divulgação do evangelho (1 Coríntios 3:3; 1 Tessalonicenses 2:15-16). Tais pessoas não são seguidoras de Cristo, mas do diabo, o pai das inverdades e o maior acusador de todos (João 8:44; Apocalipse 12:9-10; 22:8).
E todos nós lutamos contra a tentação de exprimir antes de pensar, talvez uma palavra áspera ou crítica utilizada desnecessariamente, talvez uma expressão de cólera ou ódio. Uma simples palavra mal empregada pode conduzir uma nação à iminência da guerra, destruir uma amizade de toda a vida, desmantelar uma família, arruinar um matrimônio ou esmagar o amor-próprio de uma criança. “Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tiago 1:19). “Ora, se pomos freios na boca dos cavalos, para nos obedecerem, também lhes dirigimos o corpo inteiro. Observai, igualmente, os navios que, sendo tão grandes e batidos de rijos ventos, por um pequeníssimo leme são dirigidos para onde queira o impulso do timoneiro. Assim, também a língua, pequeno órgão, se gaba de grandes cousas. Vede como uma fagulha põe em brasa tão grande selva! Ora, a língua é fogo; é mundo de iniqüidade; a língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela mesma em chamas pelo inferno” (3:3-6).
A língua é um pequeno membro do corpo, mas exerce um poder destruidor que suplanta todos os outros. Como o leme de um navio ou freio na boca de um cavalo, este pequeno membro é incrivelmente potente. Como uma faísca pode iniciar um fogo que destruirá uma floresta, assim a língua descontrolada pode destruir uma alma e criar uma desventura terrível para outros. “Pois toda espécie de feras, de aves, de répteis e de seres marinhos se doma e tem sido domada pelo gênero humano; a língua, porém, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido, carregado de veneno mortífero” (3:7-8). Os animais podem ser treinados. Um cão pode ser ensinado a sentar-se absolutamente imóvel no meio de uma multidão de pessoas, e não se moverá enquanto seu dono não o chamar. Mas a língua precisa ser sempre mantida sob supervisão. Nunca podemos deixá-la sem a rédea ou abrir sua jaula e deixá-la livre.
Temos que manter domínio constante sobre nossas línguas para evitar o estrago terrível que elas são capazes de causar. “Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que estas cousas sejam assim. Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce” (3:9-12). Contradições! Estes versículos estão cheios de contradições. Uma fonte de água só pode produzir um tipo de água. Uma planta só pode produzir o fruto que Deus pretendia. A língua, então, deve ser usada somente para adorar a Deus e falar as coisas edificantes que ele nos ensina. Quando é usada para amaldiçoar os homens, que são criados à imagem de Deus, o propósito do Criador está sendo pervertido e esquecido. Usando a Língua como Deus Pretendia Voltemos ao princípio.
A língua não é inerentemente má. Há algumas coisas que podemos e devemos fazer com nossas línguas. Considere alguns exemplos:
– Devemos louvar e adorar a Deus. “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hebreus 13:15).
– Devemos orar. “Orai sem cessar” (1 Tessalonicenses 5:17).
– Devemos confessar Cristo na presença dos incrédulos. “Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos” (Marcos 8:38).
– Devemos confessar nossos pecados e buscar o perdão. “Se con Confessarmos as nossas transgressões, ele é leal e correto para nos absolver das iniquidades e nos limpar de toda maldade” (1 João 1:9). – Cumpre-nos construir nossos semelhantes na fé. “Assim, pois, busquemos as coisas da concórdia e também as da construção mútua” (Romanos 14:19). – Precisamos favorecer os demais, inclusive nossos adversários. “Abençoai os que vos hostilizam, abençoai e não imprequeis” (Romanos 12:14). – Urge sempre expressar a realidade. “. . . seja o vosso sim sim e o vosso não não, para não incorrerdes em condenação” (Tiago 5:12). Recordemo-nos constantemente de que nossas falas são dádivas divinas para serem empregadas em sua homenagem e exaltação. Dennis Allan
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