Um dos grandes propósitos da Escritura Sagrada é abordar as ocorrências da existência humana, determinar o seu significado e resultado, e por vezes revelar a sua origem. No contexto da transgressão, há duas realidades fundamentais: a) O homem é transgressor; b) Todos os homens pecam. Portanto, é natural esperar que a Escritura Sagrada esclareça o sentido da palavra transgressão e seus desdobramentos; e nos dará a conhecer a razão da sua abrangência universal nos homens e a solução para esse grande problema. **II**- Segundo a Escritura Sagrada, a causa das transgressões encontra-se de modo absoluto (no que concerne à vida terrena) na transgressão de Adão e Eva, com seus efeitos, transferidos à descendência. A este acontecimento se denomina a *Queda*. Basta mencionar aqui que, por mais humilde que fosse o primeiro homem na hierarquia da humanidade, se ele era homem, deveria ter possuído, em verdade, algum discernimento primordial do bem ou do mal; e após sua primeira recusa voluntária ao que lhe indicava a consciência, deveria ter permanecido em uma condição moral inferior à dos tempos idos. A primeira infração cometida com consciência do mal não pôde deixar de ser um declínio moral, por maior que fosse sua sabedoria conquistada no decorrer da vida. Além disso, há motivo para crer que os filhos, gerados após a queda, certamente deveriam participar da essência de seus pais, a ponto de se tornarem mais débeis no que tange à moralidade do que se seus pais não tivessem transgredido. Esta convicção bastante plausível se manifesta como sendo o pensamento central da narrativa de Gn 3. O autor bíblico está, patentemente, expressando mais do que a singela descrição da transgressão de Adão e Eva em si. Ele almeja evidenciar que a punição atingiu toda a humanidade. Todos adentram ao mundo com a propensão original de uma índole transformada para a maldade. Não é, por conseguinte, de causar espanto que cada indivíduo efetivamente sucumba à transgressão. Nos capítulos subsequentes são amplamente expostos os terríveis e profundos efeitos daquela primeira transgressão. **III**- As distintas facetas da transgressão, que se apresentam aos autores bíblicos, podem ser observadas do modo mais adequado nos diversos nomes que lhe atribuem. Visto que a Escritura Sagrada é muito rica em vocábulos que representam a transgressão, o mal, a iniquidade, a perversidade, podendo ser citados neste ponto os mais relevantes: a) Palavras que encerram o sentido de “falha, esquecimento, equívoco no intento”, etc. Em hebraico há *chêt* e termos aparentados (Sl 51.9); em grego, *hamartia* (Rm 3.9), *hamartêma* (1Co 6.18). b) A perversidade, a distorção, denotando culpa, são faltas designadas pelo termo hebraico *avon* (1Rs 17.18). c) Há diversas palavras que indicam a infração de uma lei, ou a insurreição contra o legislador. Em hebreu *peshã* (Pv 28.13; Is 53.5); em grego *parabasis* (“transgressão, Rm 4.15), *paraptoma* (“delito”, Ef 2.5), *anômia* (“Iniqüidade”, 1Jo 3.4, onde se lê: *“hamartia é anômia”*), *asebeia* (“impiedade”, 2Tm 2.16). c) Imoralidade, o costume da transgressão, e muitas vezes violência, são sinalizadas com o hebraico *rêshã* (1Sm 24.13), e o grego *adikia* (Lc 13.27). d) A infidelidade, e a deslealdade para com Deus e o homem, são expressas pelo hebraico *má’al* (Js 22.22). e) A culpa, que requer sacrifício expiatório, encontra-se indicada pela palavra *ãshãm* (Pv14.9). f) A transgressão é considerada como um débito na oração dominical, *õpheilèma* (Mt 6.12). **IV** – Entre os grandes efeitos da transgressão podem ser mencionados: a) O pavor de Deus em oposição ao temor respeitoso e filial (Gn 3.10). b) O enrijecimento gradual da vontade contra o bem e as boas influências (Ex 7.13) c) A consumação da força e vida da alma, assemelhando-se à lepra que vai consumindo o corpo. d) E tudo isto atinge o seu ápice na separação de Deus ( Gn 3.24; Lv 13.46; 2Ts 1.9) **V**- Na Escritura Sagrada, contudo, a cura para a transgressão é, pelo menos tão destacada quanto a sua causa, a sua natureza, e o seu efeito. Repetidas vezes, em verdade, se clama aos transgressores, a fim de que abandonem as suas transgressões, fazendo-lhes perceber os grandes males que recaem sobre eles; e concomitantemente há as promessas de serem afetuosamente recebidos por Deus todos os que se arrependem (notavelmente em 2Sm 12.13), sendo os meios humanos o arrependimento e a fé. Mas tanto o **AT** como o **NT** claramente nos ensinam que é preciso algo mais. No cap. 53 de Isaías, o sacrifício do Servo Ideal nos revela os meios pelos quais são curadas as transgressões, pois que esse Servo é a pessoa que carregou com as nossas iniquidades. Outros sacrifícios eram apenas modelos deste sacrifício particular. Veja-se também Jo 1.29; Cl 1.21,22. Este remédio torna efetiva a restauração de um direito divinamente estabelecido (Rm 5.1; 1Jp 1.9), para a supressão da mácula que recaiu, inclusive, sobre os mais elevados lugares por motivo da transgressão, afetando a honra de Deus, e seu templo (Hb 9.23 -26); e não somente para a supressão dessa mácula, mas também para a gradativa extinção da transgressão no crente (1Jo 1.7-9), ainda que enquanto existir neste mundo, jamais estará totalmente livre da sua influência (Rm 7.23; Gl 5.17; 1Jo 1.10). Não surpreende que o Filho de Deus tenha recebido o nome de Jesus, “porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Dicionário Bíblico Universal
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